Conhecendo Dragon Ball: Sparking Zero
Eu já fui bem fã de Dragon Ball. Quando era criança, gostava bastante da série original, a ponto de ainda hoje eu ter um boneco do Kuririn criança, daquela época em que passava no SBT. Mas por alguma razão, eu não conseguia acompanhar direto, e eu acredito ser porque os horários de exibição batiam com algum compromisso compulsório que os pais impõe aos seus filhos na infância. Quando adolescente, me lembro de ler em revistas de anime que a vinda de Dragon Ball Z ao Brasil era iminente, mas elas estavam erradas, porque a maioria delas não passava de uma lembrança quando, muitos anos depois, a série passou a ser exibida nos fins de tarde na Rede Bandeirantes, que gerou uma segunda vinda dos animes ao país, depois da febre causada por Cavaleiros do Zodíaco na década de 90. Acompanhei até quando deu, porque a partir da Saga de Cell, a série passou ser exibido na Rede Globo pela manhã, quando eu estava na escola. Já no fim da minha adolescência, a editora Conrad passou a publicar mangás em seu formato original no Brasil, e, entre os primeiros títulos, estava Dragon Ball. Cheguei a completar a coleção da saga original, mas em um dado momento todo o meu salário de empacotador de supermercado estava sendo consumido por quadrinhos em preto e branco, e decidi parar, com a coleção de Dragon Ball Z pela metade. E assim encerrei minha relação com Goku, o divórcio sendo consumado em algum sebo, que aceitou receber, em seu estoque já abarrotado de mangás, mais alguns exemplares rejeitados, pois, aparentemente, muitos outros leitores chegaram a minha conclusão na mesma época.
Nos videogames a minha relação com a série é estranha. Meu faro apurado para jogos de má catadura me levou a jogar dois dos piores títulos da franquia no PlayStation: Dragon Ball Ultimate Battle 22 e Dragon Ball: Final Bout. Eu já tinha consciência desde o começo de que eram jogos horrorosos, e ainda assim investi tempo neles, me pergunto o porquê... Junto com a sexta geração de consoles, veio a tecnologia Cell Shading, que dava ao jogo o visual de um desenho animado, e foi uma questão de tempo para que esse recurso fosse utilizado em um jogo com Goku. O primeiro DB: Tenkaichi me empolgou, pois seu visual igual ao do anime era algo que eu e meus amigos sempre fantasiávamos se seria realmente possível. Mas era um momento em que eu já estava comprometido em comprar apenas jogos originais, e minhas escolhas foram outras. Por isso, esse jogo não recebeu meu investimento, e suas continuações me passaram despercebidas.
Mas com certeza foi a escolha de toda uma geração de jogadores, pois quando uma continuação para os consoles da atual geração foi anunciada, foi motivo de grande comemoração, entusiasmo e expectativa dos fãs. À medida que o elenco de Dragon Ball: Sparking Zero era gradativamente anunciado, cresciam as especulações de quais personagens estariam no jogo. Mas quando esse número passou de uma centena, a dúvida passou a ser quem não estaria. Seu lançamento foi um sucesso de vendas, com fãs do anime e do jogo original expressando muita satisfação com o produto final, mesmo este não sendo perfeito. A penetração do jogo era altíssima, com o número de visualizações ultrapassando largamente o de jogos líderes do segmento de luta, como Street Fughter 6, Tekken 8 e Mortal Kombat 1. Surgiram os memes, que colocaram DB:SZ dançado sobre os cadáveres dos jogos de luta tradicionais, e uma vertente começou a se formar sugerindo que esse deveria ser um dos jogos principais da EVO. Enquanto alguns jogadores profissionais testavam o título, ainda que pra aproveitar o momento de exposição, outros veteranos da cena tinham certeza que não passava de uma onda passageira.
O comentário que não saiu da minha cabeça, e que, infelizmente, eu não me lembro o autor, foi: Não se trata de um jogo de luta, mas sim, de um jogo de ação, com elementos de jogos de luta. Sob esse ponto de vista, a comparação com os clássicos reinantes não faria sentido. E eu, como fã de jogos de luta antigos, estava alinhado com esse posicionamento. Mas sempre digo que não se deve julgar um livro pela capa, e nem um jogo por reviews enviesado da internet. Não julgo nenhuma mídia sem antes experimentar ela, no mínimo, parcialmente. Surgiu uma oportunidade de conhecer de perto este novo título da série Dragon Ball, e eu decidi aproveitar. Livrei minha mente de preconceitos e fui na casa de um amigo saciar minhas dúvidas.
Se estes jogos com efeito cell shading eram bonitos já na sexta geração, evidente que são ainda melhores atualmente. Os personagens são super fiéis às suas versões em celulóide, meticulosamente modelados em nome do mais puro fan service. Porém, senti uma certa discrepância entre os bonecos e as arenas, que pareciam ter um estilo diferente, com um aspecto mais tradicional. Eu entendo que, se fosse tudo em cell shading, dificultaria a distinção entre personagens e cenários, mas já vi outros jogos com esse mesmo estilo mais bem resolvidos, como Gravity Rush 2. Nessa comparação, vale mencionar que, em sua fidelidade ao estilo de Akira Toriyama, os contornos dos personagens tem linhas grossas e pretas, enquanto Gravity Rush tem linhas mais refinadas e com cores variadas, que tornam o visual mais suave. Comparando seus estilos, Dragon Ball parece mais antiquado, mas continua sendo bonito. Os menus são especialmente interessantes, pois nele Goku viaja por vários cenários clássicos da série, povoados por personagens de todas as sagas, cada lugar representando uma seção do menu, cheios de referências e easter eggs, para a alegria de fãs de todas as idades.
O número final de personagens é pra rivalizar com as mais descontroladas versões de Mugen, com um total de 182. E a primeira coisa que eu fiz, foi contar o número de Gokus. Posso não acompanhar a série, mas, sei que, desde sempre, qualquer jogo de luta de Dragon Ball tem sempre mais de um. Sparking Zero não decepcionou: São 19 Gokus! Me disseram que os 2 Gokus Black não são o Goku, mas se tem a mesma cara do Goku, pra mim é Goku, então são 21. E alguns deles são as transformações de um mesmo personagem, ocupando cada uma seu espaço. Por exemplo, o Goku de Dragon Ball Z pode se transformar em Super Sayajin durante a luta. Mesmo assim, a versão SSJ é selecionável como um personagem separado, e é possível reverter para seu estado normal durante a batalha. Ou seja, desse enorme cardápio de Gokus, pelo menos dois ocupam 4 espaços de personagem cada. E o mesmo acontece com os 14 Vegetas, 11 Gohans e 8 Trunks, sem contar as fusões. Eu posso ser novo neste jogo, e fui avisado que, na série Tenkaichi, isso acontece mesmo, mas quem esperava quase 200 personagens como eu deve ter se sentido tapeado. Evidente que um fã de verdade vai encontrar justificativas técnicas e de de lore pra explicar essa distribuição, mas uma comparação simples dentro da minha experiência é com Gran Turismo 2: ele alega ter 650 carros, mas, nesse número, ele considera 11 Honda Civics de sexta geração, com diferenças só existem no texto técnico que os descrevem. Claro que eles têm diferenças sensíveis quando são dirigidos, mas são essencialmente o mesmo carro. Então eu conheço a sensação.
Não explorei todos os modos de jogo, mas pude identificar que temos um modo de estória, que narra os diversos eventos ocorridos durante toda as sagas e filmes representadas no jogo, com cenários para todos os principais personagens envolvidos, e que inclui eventos hipotéticos, em que os resultados das batalhas são diferentes do cânone, com os heróis sendo derrotados, por exemplo. É interessante, e mostra que os desenvolvedores conhecem bem a obra original, a ponto de poder iterar sobre ela em um produto oficial, mas faltam opções de desafio. Há apenas as dificuldades normal e fácil, e acho que seria interessante se houvesse uma opção que permitisse sofrer tanto quanto os heróis aparentam nas lutas, ainda mais em tempos em que tanto se discute o nível de desafio dos jogos. Pessoalmente, gosto quando o jogo me traz a sensação de que uma barreira que parece insuperável, pode ser ultrapassada com paciência, foco e dedicação.
O modo online deveria ser autoexplicativo, mas não pude experimentá-lo. O que joguei mais foi o versus, e é quase inacreditável que um modo tão simples e fundamental, tenha recebido tão pouca atenção. Pelas informações que recebi, o jogo de tela dividida sequer estava nos planos da desenvolvedora, mas foi incluído de última hora a pedido dos fãs, que queriam reviver os velhos tempos do 1x1 no sofá com os amigos. A cada opção que aparecia na tela, menos acabado o produto me parecia. Primeiro, só é possível jogar em um único cenário nesse modo, a sala do tempo. Ela é equivalente à grid room, que qualquer jogo de luta atual tem, e que, via de regra, é a arena mais pobre de todo o jogo, tanto que, de tão sem graça, chega a tornar as batalhas desinteressantes para os espectadores. Segundo, não há regras ou balanceamento: é possível lutar sozinho ou formar um time de até 5 personagens, sem que seu adversário precise usar e mesma formação. E não é como em Skullgirls, em que um personagem solo recebe vantagens para enfrentar um time fechado de 3 lutadores. Em SZ, seu Goku em nada vai mudar contra um time fechado formado por 5 Vegetas diferentes. Passa a ser livre para que os jogadores decidam pelas próprias regras, mas parece muito com o tipo de desafio que se cria quando não se tem mais o que fazer no jogo, do tipo "duvido você me vencer só com o Mr. Satan!". Somando esse desequilíbrio nas formações com o desbalanceamento confesso entre os lutadores imposto pelo lore da franquia, torna o mérito técnico do jogo questionável, em que as vitórias ou derrotas podem acabar sendo atribuídas à escolha dos personagens. Nada impede que um jogador muito habilidoso use um lutador fraco para vencer um time formado apenas por top tiers, mas, em um cenário competitivo, é uma escolha inviável. O terceiro ponto que me incomodou são as opções limitadas na configuração das músicas. Os temas de Dragon Ball são épicos, mas em um longo combate de 5x5, ouvir "Cha La Head Cha La" várias vezes pode se tornar incômodo.
A jogabilidade é bastante simples, e não é orientada pela execução, pois os comandos são universais entre os personagens. Alternar entre dois botões de ataque físico formam combos simples, há um botão de projétil, um botão de defesa, um botão de avanço ou evasão, botões para ganhar ou reduzir altitude e comandos para agarrar, carregar a barra de Ki, avançar mais rapidamente em direção ao oponente e para executar ataques super. Para executar esses ataques, é preciso carregar a barra de Ki manualmente, pois o ganho desse recurso através da interação entre os lutadores é mínimo. Continuar com o comando de carregamento de barra após ela chegar ao seu nível máximo, iniciará o carregamento de uma próxima barra, que, quando cheia, colocará o personagem em modo Sparking, em que suas habilidades são melhoradas e que lhe dá acesso a ataques super mais fortes. Há ainda uma barra que carrega automaticamente com o decorrer do combate que dá acesso às transformações dos personagens, sendo que, quanto mais avançada a transformação, mas barras são necessárias.
Quando sofrendo um juggle, é possível se evadir entre os lauchers, consumindo um pouco da barra de Ki, e iniciar um contra ataque, que pode ser respondido com outra evasão, que pode continuar em loop até que as barras de Ki de ambos os lutadores se esgotem. Durante o combate, podem acontecer vários tipos de clash, tanto de magias quanto de ataques físicos, que, dependendo do tipo, vão exigir a atenção à indicação de comandos na tela, que vão de girar a alavanca analógica a apertar os botões nos momentos corretos. Felizmente não há situações em que é preciso apertar botões rapidamente, pois são ações que podem levar a problemas de saúde.
Não posso dizer com certeza se compreendi bem os sistemas do jogo e seu loop de gameplay, mas posso reafirmar que este não é um jogo de luta tradicional, mas sim um jogo de ação combativa em terceira pessoa. Uma das características que me levou a essa conclusão é que a noção de espaçamento nessa série é vaga, em que frequentemente os personagens estão muito distantes entre si, e com ângulos de visão que dificultam ainda mais esse julgamento. As magias sempre vão automaticamente em direção ao adversário, e os ataques físicos sempre incluem um avanço em sua direção. Sob esse ponto de vista, a ação lembra muito um The Legend of Zelda ou um God of War, especialmente se você já enfrentou Ganon ou Zeus nesses jogos. Isso é reforçado pelo fato de que SZ é mais focado em respostas corretas para os ataques adversários e conhecimento das mecânicas do jogo. Vendo vídeos de gameplay de alto nível, percebe-se que não há uma preocupação em ocupar o espaço adversário, mas sim em reagir da forma correta e aproveitar as janelas abertas para encaixar ataques e carregamentos de Ki.
Mas o fato de ele ser ou não um jogo de luta é indiferente. Os rótulos aplicados a um jogo não vão fazer dele melhor ou pior, mais ou menos divertido, servem apenas para agregá-los a títulos semelhantes e levá-los a um público específico. DB:SZ se encaixa dentro do subgênero dos Arena Fighters, e sempre vão haver aqueles que não o consideram um jogo de luta, assim como não consideram Super Smash Bros. um jogo de luta. O importante é que os fãs estejam felizes e satisfeitos com o jogo, e que ele gere uma comunidade saudável, competitiva e amigável aos iniciantes, e longeva por conta disso. A FGC tem espaço para todos, especialmente para aqueles apaixonados procurando pessoas para partilhar da mesma loucura.
Agradeço ao amigo Gustavo Grein, que me convidou pra ir à sua casa jogar DB:SZ, numa tarde chuvosa de sábado, que terminou com um delicioso café com bolo de cenoura!
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