Darkstalkers: The Night Warriors em 2024
Por Fabio Pereira
- Cenários são coloridos e vivos;
- Músicas pouco memoráveis;
- Sons reforçam a identidade dos personagens, mas variam de geniais a inaudíveis;
- Jogo veloz, com avanços e recuos únicos para cada personagem;
- Grande variedade de ferramentas universais defensivas e ofensivas;
- Estória genérica.
Em 1993, a Capcom lançou a segunda geração de seu sistema de arcade Capcom Play System, a CPS-2. O primeiro jogo desse hardware foi Super Street Fighter II: The New Challengers, e nele era perceptível e evolução sobre sua versão anterior, Hyper Fighting, especialmente através de seus novos personagens e cenários. Mas talvez um observador casual sequer percebesse que se tratava de um novo jogo, pois ele permanecia essencialmente o mesmo, com os personagens clássicos usando os mesmos sprites do jogo original. O sucesso de Street Fighter II trouxe com ele uma grande demanda por jogos de luta, o que justificava essas atualizações no título, mas se a Capcom quisesse realmente explorar ao máximo o mercado que ela mesmo criou, seriam necessárias novas franquias.
Para melhor aproveitar essa oportunidade, e para mostrar toda a capacidade do seu novo sistema, surgiu o primeiro Darkstalkers, em 1994. A Capcom dos EUA trouxe o conceito de um jogo de luta com monstros clássicos do cinema, e o desenvolvimento ficou a cargo da matriz japonesa. Enquanto o tema do jogo era essencialmente o horror, fantasia e misticismo, sua inspiração visual veio dos desenhos animados da Warner Bros. e da Disney. O resultado dessa mistura inusitada é um jogo com personagens historicamente sinistros, como vampiros, zumbis e lobisomens, mas super coloridos, que se deformam e se transformam durante seus ataques, em que são mostrados seus esqueletos quando tomam um choque elétrico ou que ficam torrados quando atingidos por chamas.
E é isso a primeira coisa que se percebe ao jogar "Darkstalkers: The Night Warriors" em 2024: ele continua visualmente espetacular, verdadeiramente uma referência em animação e pixel art. Os menores movimentos dos personagens acontecem com muita fluidez, e se analisarmos cada quadro que as compõe, percebe-se um enorme cuidado com pequenos detalhes, que trazem uma fortíssima personalidade para todos os lutadores. As suas características muito incomuns resultam em físicos extremamente distintos, em que até mesmo os menores personagens se mostram muito elásticos ao desferir ataques que podem ocupar metade da tela. Pyron, por exemplo, mesmo tendo uma estatura mediana, comparado com os outros lutadores, emana chamas soberbamente animadas, que chegam a ultrapassar o topo da tela.
Os cenários são muito vivos e criativos, onde há interações entre o plano de fundo e os lutadores, antes e após a batalha. Nos EUA, há postes de luz que, quando destruídos pelo contado com um personagem arremessado, alteram a iluminação do cenário. Balões coloridos são soltos no ar em comemoração ao fim do round. Quando se enfrenta Bishamon no Japão, ele sempre começa a luta saindo de um iglu ao fundo. Na Alemanha, as máquinas que deram vida à Victor passam a funcionar ao fim de cada round, enquanto o espírito de seu criador assombra a arena. São exemplos do empenho do estúdio em tornar o ambiente da batalha tão importante quanto o combate em si, e é uma pena que cenários tão caprichados não foram incluídos nas versões posteriores do jogo.
A série Darkstalkers tem temas musicais marcantes, mas, na sua primeira versão, eles são menos impressionantes. Apesar de o sistema CPS-2 já ter nele integrado a tecnologia Q-Sound, fica a impressão que os desenvolvedores ainda estavam aprendendo a domina-la, pois, ainda que presentes, não se percebe tanto os efeitos tridimensionais, que se tornariam a identidade sonora dos jogos desse hardware. Mas já podem ser ouvidos temas muito interessantes, como a elaboradíssima composição musical do cenário da Alemanha. O tema de Huitzil, no México, também se destaca. Em minha opinião, a música mais marcante é a da batalha final contra Pyron, com seus elementos de disco, dance e orquestra.
Em se tratando de áudio, há altos e baixos. Comparado com Street Fighter II, temos muito mais efeitos sonoros, pois, além dos tradicionais ruídos de contato corpo a corpo, temos sons de fogo, congelamento, explosões, cortes, choques e outros efeitos de desenhos animados em geral. Temos um locutor sinistro, condizente com o tema do jogo, mas suas intervenções são limitadas ao começo e ao fim de cada round. Como temos personagens de naturezas muito distintas, optou-se por reforçar suas identidades através da forma como se comunicam. Dessa forma, enquanto demônios humanoides usam linguagem falada, personagens mais aberrantes usam de sons ininteligíveis variados. Jon Talbain, um lobisomem, usa de sons caninos, como latidos e uivos. Felicia, a mulher-gato, mistura miados com sua voz doce. Mas temos o caso da múmia Anakaris, que emite apenas murmúrios, tão baixos, que é preciso fazer um esforço pra ouvi-los. Um exemplo ainda mais complicado é do homem-peixe Rikuo. Afinal, como se comunicam os peixes? Rikuo escolheu usar sons de anfíbios e gorgolejares em geral, tudo tão baixo, que na memória o personagem parece mudo. Huitzil é um robô que emite sons de computadores antigos, o que seria genial se eles fossem mais audíveis.
É bastante comum que em um julgamento superficial, Darkstalkers pareça somente Street Fighter II com monstros, e é verdade que há muitas semelhanças entre eles, pois ele iterou na base desenvolvida por seu predecessor. Ambos são jogos de seis botões, separados entre socos e chutes, divididos em três intensidades, e nos dois se defende segurando a direção para trás. Entre as diferenças, a mais proeminente é a forma como os personagens se movimentam, pois enquanto em SFII ela é muito semelhante entre os lutadores, em Darkstalkers é o que mais diferencia uns dos outros. Todos eles podem avançar para frente ou para trás com dois toques rápidos na respectiva direção, mas a forma como cada um o faz é totalmente distinta. Morrigan transforma suas asas em um jetpack, fazendo com que ela avance ou recue na diagonal, colocando-a em uma posição de vantagem para ataques aéreos e overheads. Demitri se teletransporta durante seu avanço, tornando-o invulnerável por um breve período e alterando a trajetória de seu DP. Felicia consegue atravessar para detrás do adversário, permitindo ataques furtivos. Rikuo avança nadando pelo terreno, podendo passar por debaixo de projéteis, e, seu em seu recuo, ele dá pequenos saltos para trás que permitem armar um contra ataque contra whiffs. Lord Raptor introduziu no mundo dos jogos de luta o avanço aéreo, e já tinha em seu conjunto de golpes um ataque de perseguição a inimigos derrubados, que se tornou padrão para todos os personagens nas continuações.
Um tipo de ataque comum a todos os personagens é o agarrão por comando, sendo que grande parte dos lutadores tem mais de um, mesmo não se assemelhando em nada a um grappler. Estes funcionam melhor como punição, mas dão menos dano que um combo, tornando seu uso questionável. Darkstalkers utiliza o sistema de chain combos, em que basta apertar botões de força crescente para criar uma sequencia de golpes. Os combos não são iguais entre os personagens, mas esse sistema torna descobri-los bem mais intuitivo, e sua execução é mais fácil que os combos tradicionais de Street Fighter II. De Super Turbo também veio a barra special, com a diferença que, a partir do momento em que ela se completa, passa a esvaziar continuamente, obrigando o jogador a usá-la antes que se acabe, dando agilidade à luta. Com esta barra ativa, pode ser usado um ES Special, que é um ataque especial melhorado, ou um SP Move, que é o ataque especial mais forte do personagem. Diante de tantos ataques disponíveis, também foram introduzidas novas formas de defender-se, com a possibilidade de bloquear ataques no ar, e com o recurso Guard Cancel, que permite executar um ataque especial partindo da posição defensiva. Após ser arremessado, é possível evitar a queda e reduzir os danos com um Tech-Hit, e, se este falhar, existe a chance de afastar-se do inimigo pelo chão, para evitar okizemes. Como opção mais agressiva, há como executar um Reversal, ao atacar o adversário com um golte especial ao levantar-se.
Usar todos esses sistemas em conjunto é a forma certa de jogar Darkstalkers. É preciso ser agressivo, avançando continuamente, criando combos e usando a barra special na primeira oportunidade. Quase não se joga a tela, focando-se na agilidade e na pressão. Há três opções de velocidade selecionáveis quando se escolhe o personagem, mas tem-se a impressão de que o jogo foi projetado para a mais rápida, pois nela os combos são executados com mais facilidade. Se a forma correta de jogar não for aprendida até o confronto com Huitzil, Pyron te ensinará a força, pois não há outra forma de vencê-lo. Seus ataques causam muito dano, e sua defesa é muito eficiente, além de ele fazer uso contínuo da leitura de comandos. Por isso, cada oportunidade de ataque deve ser aproveitada ao máximo, aproveitando-se inclusive de chip damage.
Um jogo tão criativo ficou devendo muito na estória genérica, em que basicamente o vampiro Demitri Maximoff organiza um torneio para descobrir qual dos Darkstalkers é o mais forte e o verdadeiro senhor da noite. Cada um dos participantes decide entrar no torneio por motivos próprios, sem conexões evidentes entre eles. Essa história deixou de ser canônica quando a Capcom lançou a sequencia "Night Warriors: Darkstalker's Revenge", que recontou os eventos do primeiro jogo com mais profundidade.
Esse jogo marcou muito minha infância, mesmo sem nunca tê-lo jogado na época. Eu gostava de Street Fighter, mas nunca fui realmente ligado ao design de seus personagens, considerando-os muito conservadores e ultrapassados. Quando vi Darkstalkers pela primeira vez em uma locadora afortunada o suficiente pra ter um Sega Saturn, me apaixonei instantâneamente pelas cores vivas e pelo design agressivo dos personagens. Ficava horas olhando as ilustrações de Bengus nas revistas de videogame, tentando replicá-las, uma a uma. O design de personagens de Darkstalkers me influenciou profundamente como artista, e ainda hoje são uma referência estilística a que eu procuro me equiparar (ainda sem sucesso). Morrigan participava frequentemente dos meus sonhos adolescentes, e eu adorava especialmente o design Rock'n Roll de Lord Raptor. Antigamente usávamos pastas para carregar nossos livros de escola, e em uma época era moda virá-las o avesso e escrever ou desenhar nelas. Na minha pasta, eu desenhei Lord Raptor com canetas coloridas, e eu adorava exibir aquele desenho. Quando um jovem adulto, gostava de colar adesivos na minha moto, e decidi colar uma figura da Tifa Lockhart na rabeta da minha Bros. Eu adorei, mas minha namorada na época não. Tive que trocar por um adesivo do Lord Raptor, que aparentemente não é sensual o suficiente pra gerar ciúmes... A primeira vez que tive contato com um anime legendado por fansubbers foi uma fita VHS com os dois primeiros episódios do OVA de Darkstalkers. Se eu pensar com calma, certamente lembrarei de outros momentos marcantes da minha relacionados à esse jogo. Portanto, são muitos os motivos que me fazem ter um carinho especial por essa série e que mantém viva a esperança de vê-la retornar.
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